(De um desafio de Palavras em Linha)
Estavam sentados lado a lado e era Verão. No Outono sentavam-se frente a frente e no Inverno costas com costas. Na Primavera não se sentavam. Andavam pelas bermas dos passeios e ora num pé ora noutro, iam gastando a alegria em passos de dança e variações sobre dois corpos.
Estavam sentados lado a lado porque era Verão. Não por causa dos excessos da estação, do calor , da luz, do aroma, da indolência. Por uma razão habitual. Por uma razão nenhuma. Porque assim olhavam na mesma direcção e é provável, deve mesmo estar demonstrado, por algum monstro, que no Verão os dois olham para a mesma imagem. Propensão genética, impulso divino, força astral, tradição, o escudo da sombra, a boca que fala e o ouvido que ouve.
Estavam sentados lado a lado porque era Verão. Não sei que Verão. Não sei o que verão daquele lugar sentado que é quase sempre o lugar da espera. Mas estavam sentados lado a lado. Quando, no Outono se sentavam frente a frente era para se olharem um ao outro, fixamente, deliberadamente à procura do mistério. Porque há no Outono de cada um um mistério que é mistério para o próprio e revelação para o outro. No Inverno, costas com costas, olhavam para sentidos opostos mas os sentidos libertos da pressão omnipotente do olhar, sentiam com mais intensidade e escorraçavam o frio que penetrava ameaçador pela frincha da porta.
Estavam sentados lado a lado e era Verão. Poderia ter sido ao contrário, poderia ter sido de muitas maneiras diferentes. Mas o Verão era depois da Primavera, depois dos saltos pueris que os faziam dispensar os assentos e em que o alvoroço que brotava da terra parecia chamar às coisas alegria.
Estavam sentados lado a lado e era Verão. Era por estarem sentados lado a lado que era Verão.
Prólogo