A sério, mesmo, só uma criança a brincar
Quarta-feira, 18 de Abril de 2007
Genérico

Não existe um amor genérico. O amor tem sempre marca, e marca por ser amor. O amor que existe, quando existe, declara-se a uma entidade concreta, material e insubstituível. É assim a natureza dogmática do amor. Não vai pela margem das coisas, encosta-se directamente ao centro e centra-se no concreto. Não é genérico o amor. Cola-se com veemência à pele e impede a regular respiração dos poros. Exige, como se não houvesse tempo, a urgência do tempo todo e esquece as prosaicas questões do real e do sentido. Para o amor o sentido é tão só aquilo que sente e que não traz à razão, e nunca a razão que, por qualquer razão, traz o sentir. Aquilo que o amor sente é sentido mas não tem sentido nem espera sentido porque por ser amor não espera. E não há nada de genérico no amor. É por isso que o que se diz do amor, como por exemplo isto que eu digo do amor, é sempre um disparate. Não é transmissível a ideia de amor. Só seria transmissível se se desse o caso de o amor ser genérico e poder, sujeito aos artifícios da comunicação, radicar em códigos que não fossem absolutamente únicos de cada vez. Um dia se descobrirá, se houver tempo, a incontornável descontinuidade do amor, e a forma unívoca como, qual um código genético, o amor se manifesta. Num certo sentido chamar amor ao amor já é uma facilidade de linguagem que pressupõe alguma espécie de afinidade entre coisas tão diferentes. Porque o amor é absolutamente unívoco. Tão unívoco que não é o mesmo que vai de A para B e de B para A. Funciona, às vezes, como uma vibração harmónica, descrita, quem sabe se por uma sobreposição absolutamente única de ondas sinusoidais perfeitas. Mas não tem nada de genérico. Fervilha de intensidade própria e, por vezes, basta-se a si próprio, ignorante de totalidades e forças transversais. Fica no centro de tudo e transforma o centro em margem, trazendo o paradoxo para a simetria dos dias. Genérico seria se se pudessem dizer coisas concretas que fossem capazes de englobar o amor sem nos estarmos sempre a contradizer. Isso sim, seria genérico. Dizia amor, e toda a gente sentiria a mesma picada na espinha. Para isso bastava uma palavra e ficava tudo dito. Como dizer água ou céu ou luz. Palavras genéricas para ideias genéricas para pessoas genéricas. Amor não. Há sempre uma outra coisa que ainda não se disse e não é bem assim, estão completamente enganados, não tem nada a ver com isso, nem penses, não é isso que eu sinto, nem pensar, está tudo ao contrário, que disparate. Não. O amor é uma doença do indivíduo. Doença sempre rara, sempre incurável, sempre mortal. Mas nunca genérica.


Prólogo


tags:

publicado por prólogo às 00:33
link do post | comentar | ver comentários (3) | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Fevereiro 2008
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10
11
12
13
15
16

17
18
19
20
21
22
23

24
25
26
27
28
29


posts recentes

Spam

Certeza

Passatempo

Gurulândia

Bruma

Verão?

Fatídica

Genérico

Corte

Simtoma

arquivos

Fevereiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Maio 2005

tags

todas as tags

blogs SAPO
subscrever feeds