Percebi cedo que é muito mais fácil quando não se quer.
Cedo demais. E cedo demais também.
Por não querer, cedo passei a ceder ao querer que não era meu.
Porque era mais fácil. Foi isso que percebi cedo demais.
Cedo demais quer dizer antes de poder perceber que o que é mais fácil cedo, pode não ser mais fácil mais tarde.
Cedo demais quer dizer que não oponho resistência às vontades por não encontrar outra vontade para lhes opor.
Mais cedo ou mais tarde acabamos por ceder.
E eu que percebi, cedo demais, que era mais fácil não querer, percebi, tarde demais, que cedi demais.
Percebi, tarde demais também, que não era nada fácil não querer.
Embora em princípio, cedo portanto, parecesse que o mais fácil era não querer, percebi enfim, sem querer, que o não querer era difícil.
Se primeiro, e bem cedo, percebi ser muito mais fácil não querer, depois, muito depois, concedi que é muito difícil não querer.
Porque o que eu percebi já muito tarde foi que em todas as coisas há um antes e um depois e um antes e um depois antes e depois de cada antes e depois e assim sucessivamente.
E o que eu achei mais fácil tinha a ver com o depois porque ao não querer eu não tinha que me haver com as consequências de querer.
E ao querer, como percebi mais tarde - tarde demais - não cedo à vontade de não querer e fico, sem querer, indiferente ao fácil e ao difícil.
Percebi, concedo que nem tarde nem cedo, que antes cedia com facilidade e por causa disso era tudo demasiado difícil.
Parecia - e não posso dizer que perceba o que apenas parece - sempre demasiado cedo para dizer que bastava e sempre demasiado tarde para recomeçar.
Agora, enquanto não descubro coisas novas que possam, sem que eu o queira, alterar este desequilíbrio estável, agrada-me acreditar que não é cedo nem é tarde para tentar não ceder a esta vontade, que cedo percebi, de não querer por parecer mais fácil.
É uma questão de crer. Bom... mas isso de crer é outra história.
Prólogo
Devemos esperar simplicidade nas leis da física.
Exactamente como esperamos no amor e na alegria.
Para cada acto improvável criam-se à volta dos pensamentos auréolas de insanidade.
Deve haver uma equação a várias incógnitas para a loucura.
Soma-se, subtrai-se, divide-se e multiplica-se o resto pelo desejo.
E as incógnitas permanecem à superfície de uma exactidão imoral.
Deve haver um sistema indeterminado para calcular a moral da história.
Cada equação traz a indiferença perante a hipótese do olhar.
Cada variável agarrada a uma constante indefinição.
Cada termo compondo um princípio básico para o fim.
Devemos buscar a ordem na finalidade.
Cumprir os rituais que levam a dignidade à morte e sentir esta manifestação opaca do querer como uma épica manobra do medo.
Devem o ter e o ser sobrepor-se na sua branca nulidade.
Afagar a dor como companheira para amansar a fera escura e pura.
Preparar a arma e a vontade para perecer com mágica alegria.
Devemos esperar simplicidade nos cálculos.
Exactamente como esperamos simplicidade na nuvem e nas estrelas.
Para cada pensamento improvável ocorrem poderosos actos de demência.
Deve haver um momento irresolúvel em que a paz se instala.
Antes, agora, depois, no acordar seco da aurora inquestionável, precipitam-se os cristais amorfos do que parecia possível.
Eleva-se no ar a força fraca de não saber ler, nem escrever, nem contar com o passado nem com o futuro para nada.
Deve haver um eficiente e dedicado professor que nos ensine a não perder, a colocar sobre o prato da balança a massa atómica das partículas elementares da existência, a ver pelo tubo óptico o disfarce continuado dos elementos, a misturar no copo todos os ilíquidos pensamentos nucleares, a sondar com infinita prudência a inércia fraterna da matéria.
Devemos passar os dedos com suavidade contida na textura fina da pele que amamos e procurar em cada poro esse infinito que se ausenta a cada momento do universo fluído de viver.
Prólogo